Educação se faz discutindo!

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sábado, 8 de maio de 2010

Conexão: uma lição. - Por Jr. TAZ

Fala-se muito sobre gestão democrática, educação para a autonomia, contraversão da educação “formal” quantitativa, maneiras de formar um pensamento crítico coletivo, etc.

Há muito esforço teórico nesse sentido: são centenas e centenas de livros versando e circundando idéias e mais idéias, intelectuais se reúnem em mesas redondas, encontros, seminários, discursam aqui e ali, etc... O problema é finalmente levar à prática.

Na verdade, a prática está amarrada: se mexer um pouco já é suficiente para perceber como a disseminação de uma opinião pré-moldada alheia à crítica logra dar passos largos sobre a nossa sociedade, sobre o mundo todo.

Já mostrei meu argumento do porque não devemos esperar que o Estado reformule a educação, porque ela está apresentando resultados condizentes com a política do Mercado. Logicamente, se estamos interessados numa alteração radical da educação neste país, é necessário que isto parta de nós mesmos, da base.

Às vezes nos perguntamos se seria possível. Como enfrentar um sistema de um Estado, todas as proteções culturais criadas por ele, inclusive formando em nossas mentes uma mentalidade acrítica de defesa desse Estado, dessas políticas que pulverizam nossas relações político-sociais basistas. Qual caminho deveríamos seguir? Como gestar uma coisa nova, que pode vir a não dar certo? No meio das dúvidas, frente ao abismo do imponderável e do medo, ficamos estagnados, abaixamos as cabeças, e aceitamos o martelo que paira sobre elas.

Alguns corajosos esquecem-se dos limites do imponderável e fazem. Aliás, essa é uma coisa que falta em muitos de nossos intelectuais: a AÇÃO. Coordenar TEORIA e PRÁTICA é uma das coisas mais difíceis no longo caminho de nos tornamos verdadeiramente seres humanos que se orgulhem de carregar esse rótulo. Penso que é isso que Oscar Wilde quer dizer quando sentenciou “Viver é uma coisa rara. A maioria apenas existe”. E de alguns corajosos que falarei, ao longo do tempo que escreverei neste blog.

Quando o Tio B. (Nosso professor na UNESP) me chamou para conhecer o cursinho “Conexão”, em Ribeirão Preto, achei interessantes as características: os alunos participavam da construção das aulas, os conteúdos eram discutidos em reuniões administrativas, era voltado para alunos de baixa renda, professores voluntários, funcionando numa situação complicada, dentro de um casebre que é patrimônio municipal, no mesmo terreno que uma multinacional que não gosta muito deles, mas que apesar dos problemas tinha aprovação razoável, e o principal: não tinha uma formação meramente quantitativa, mas qualitativa, uma verdadeira formação humanística, gerando consciência crítica, educando para participar, e não simplesmente absorver o que quer que seja que o vestibular peça e pronto. Apesar dessa fantástica apresentação, fui sem grandes expectativas, principalmente pelo que tinha em mente sobre os cursinhos comunitários que para mim nao tinham nada de comunitários.

Não me lembro muito bem o dia da semana que foi, mas lembro bem da dinâmica, pois foi o que me surpreendeu. A “aula” era a montagem de uma peça de teatro que mostrasse as relações entre uma família rica, outra classe media, outra camponesa com o candidato à prefeitura, além de suas relações familiares e com seus (possíveis) empregados. E não só a montagem, mas também sua apresentação, na mesma aula. Lembro que eu estava cético, mas nem de longe deixaria de considerar a possibilidade de aprendizado de uma ação como aquela. Era fantástico, uma grande idéia e... Aplicada! Entrei de cabeça e participei (até improvisei no final!). Mas o mais interessante é ver como eles teorizaram a peça, encaixaram os temas de lutas de classes, dominação cultural, demagogia, e muito mais com tamanha desenvoltura. Tenho certeza que a maioria das pessoas do cursinho (privado) do qual fiz parte não conseguiria realizar uma situação com tamanha qualidade e... Com solidariedade!

Num cursinho privado, mesmo que você não seja o concorrente direto daquele seu colega de classe, acontece certa rivalidade. Parece que a sensação entre aqueles jovens é a de que se você acumular mais informações que os outros, você passa no vestibular – o que não é uma verdade! E sabíamos disso, de certa forma. Mas o clima competitivo, copista, de memorização intensiva nos fazia mais vestibulandos que amigos. Não é o que se apresenta no Conexão. O clima é de compreensão da situação do outro: a maioria ali trabalha ou não tem condições de estudar em casa durante o dia, e quando estão juntos, proporcionar a discussão é abrir um canal pra aprimorar tanto a si mesmo quanto aquilo que o outro pode não ter percebido. O estimulo à opinião é algo que não se vê num cursinho privado, nem no ensino formal sob qualquer situação, e nem mesmo na faculdade. Emerge quem pode; quem consegue. Os outros servem de mar.

Seria uma consciência de classe, como a que o Gabriel falou alguns posts atrás, mas partindo dos alunos?

Voltando. Saí da aula emocionado. Conversei também com alguns alunos, e notei a realidade difícil de alguns deles, e o reflexo do sonho de passar no vestibular e conhecer novos mundos, proporcionar novas realidades para seus familiares... Como eu um dia também tive, e hoje vivencio.

Voltei no sábado seguinte para a reunião administrativa, da qual os alunos também participam. Nem todos os alunos vão, muitos porque trabalham, outros porque não podem, etc. É lá que professores e alunos resolvem os problemas que aconteceram durante a semana – muita conversa? Tá prejudicando o coletivo! Tem alguém faltando muito? O que tá acontecendo? Porque o pessoal tá faltando na faxina coletiva? - e definem as abordagens do que será estudado durante a semana (mas há um cronograma maior, pré-estabelecido, por módulos). Lavagem de roupa suja acontece, mas é interessante porque se nota uma situação política, os indivíduos trabalhando pelo coletivo.

Marquei uma reunião pra segunda feira imediata com o NACE, precisava espalhar as boas novas, e o fiz com um entusiasmo que contagiou o pessoal. Porém, estávamos no fim do ano, muitas provas, e o pessoal não tem mobilidade pra Ribeirão Preto como eu. A coisa esfriou um pouco, mas foi graças aqueles dias que tive boas idéias e reforcei certos pensamentos. Ainda fui a mais uma reunião, eu acho, em 2009.

Depois de alguns meses, mesmo sob pressão de outros compromissos, principalmente acadêmicos, voltei a me dedicar aos meus interesses, dentre eles, os educacionais, e também ao Conexão.

Turma dividida, alguns conhecidos do ano passado, novas caras... Mas o mesmo entusiasmo, mesmo nos que não passaram. Lógico, um pouco de cansaço, também não consegui passar de primeira, sei como é. Mas, como eu, agarrar-se ao sonho beira à necessidade... Lembro de quando estudava no CECAS (outro cursinho, que tinha pretensões comunitárias, mas que não segurou bem, em minha opinião) e, cansado, final de ano, pouco animado com o vestibular, ouvi o Batata (que era professor no CECAS e que também dá aula no Conexão, um grande sujeito!) falar sobre como seria a vida universitária, que valia a pena continuar, contou a história dele, demos muita risada, mas sentimos, no fundo, que não podíamos parar; não era o vestibular que importava, era a vida. Não podíamos estagnar. Passei no vestibular.

Boa aula a de ontem: o Danilo juntou a galera e discutimos um texto de Marx e outro do Paulo Freire. E dessas discussões fomos caminhando, passando por formas de produção, relações de trabalho, democracia ateniense e moderna, direta e indireta, participativa ou não, sustentabilidade, empresas que usam selo verde para conquistar clientela, mas que prejudicam o meio ambiente por outro lado, educação e Estado, e culminamos na Pedagogia da Autonomia, que era justamente o que estávamos fazendo ali, estávamos vivenciando a teoria. Eis que estávamos vivos, e não apenas existindo... Não tem como não aprender se VOCÊ está construindo o pensamento: há uma complexidade de pensamento, uma ecologia no que se aprende, lembrar de uma coisa é lembrar-se de relações, o saber é ampliado, não é mais objetivo, mas subjetivo.

Na reunião administrativa de hoje, ações práticas de alta relevância, as quais não convém falar ainda. No entanto, mostra qual é o caráter dessa educação que ali se gesta: a prática. Nada daquilo que não sirva para melhorar aquilo que me torna um ser humano melhor para a minha vida e da minha comunidade não faz sentido. As teorias só têm uma função, que é melhorar nossa vida através da melhor aplicação prática possível.

Enfim. Sei que me alonguei demais. Este blog tem por finalidade discutir nossas percepções sobre possibilidades educacionais. E bem que eu demorei demais para começar a falar sobre o Conexão (mas vocês verão muitos textos sobre ele daqui pra frente). E antes que se diga que é preciso sentar e pensar no que vamos fazer, estão aí experiências responsáveis como o Conexão para nos dar exemplo de que não há saída: a mudança é de baixo pra cima, é pela educação e é principalmente pela AÇÃO.

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