Educação se faz discutindo!

Minha foto
O Núcleo de Análise e Crítica da Educação [NACE] é um espaço aberto para discussão e publicação de textos e opiniões acerca das diversas realidades educacionais em voga. Mais especificamente, é a junção das nossas percepções sobre educação submetidas aos comentários sempre construtivos de companheiros e companheiras que também tenham interesse no tema. ____________________________________________________________________________________ Para publicar seu texto, envie para praquemestudar@gmail.com. Pedimos a colaboração de todos na publicação de textos sem conteúdo ofensivo. ____________________________________________________________________________________ Também pedimos, acima de tudo, a participação nos comentários dos textos que já estejam publicados: lembremos que o NACE é um projeto de discussão, e não de engrandecimento particular. Vale ressaltar ainda que o NACE não é vinculado à nenhuma instituição, não concede bolsas e não tem fins lucrativos.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

'Simplicidade do pensamento.' - Por Junior Taz

Novela das oito: milhões de brasileiros acompanham a estória. Uns se identificam com o taxista gente boa, honesto, que ouve todo mundo e que cumpre seu dever com muito esforço, sem esquecer da honradez. Outras se colocam na pele da empregada doméstica, que, apesar de humilhada pela patroa, se manifesta de forma sagaz, mas acata as ordens por que tem necessidade de manter-se no emprego, e só por isso. Todos desprezam aquela socialite que apesar da aparência de mulher fina, é uma víbora, uma malvada que se atém a humilhar os empregados e passa o dia maquinando a manipulação. Também tem aquele cara que é esperto: suas maldades são por um bem geral (muitas vezes mais pelo seu próprio bem em geral!), mas o faz porque foi cooptado por um círculo maior de pessoas e idéias que o leva a cometer pequenas infrações ‘inocentes’. Ele será purificado até o fim da novela. Aliás, todos os malvados serão punidos, de uma forma ou de outra. Os bonzinhos vão padecendo até sua vitória final. Os que são mais ou menos bonzinhos ou malzinhos recebem punições ou prêmios de consolação (não nessa mesma ordem).

Pensamento simples. Rápida associação. Papéis definidos. Os Arquétipos. O bonzinho, o galã, a esperta, a modelo de beleza, o santo (sempre tentado!) os malvados, os que tem seu amor eterno impedido pelas circunstâncias... enfim. A articulação muda pouco. De uma novela pra outra, mudam-se os cenários, os atores (nem sempre mudam, é verdade), muda-se o autor, mas no fundo, tudo parece igual. A novela de sucesso é aquela que, mesmo depois de acabada, não se faz perceber cópia das anteriores. Uma vez percebida como cópia (rara exceção!), é tripudiada pelas revistas especializadas e pelo público (geralmente, nessa ordem).

Em geral, esse é o padrão da novela rádiotelevisiva. Algumas poucas coisas são alteradas, aqui e ali, na verdade, têm de ser poucas coisas justamente para que o público não estranhe. A novela começa, se desenrola e termina dentro de um padrão já conhecido. Escapar desse padrão é andar sobre um tênue limite entre o aceitável e o repugnante. Já se sabe o final da novela com muitos meses de antecedência, mesmo antes que ela comece, de fato. Já se imagina o perfil do personagem pelo ator a que lhe é designado. O público sim, faz a novela. Infelizmente sempre igual.

[[[Pequena Digressão:]]]
Uma característica das novelas dessa primeira década do século XXI é que são feitas quase just-in-time (algo como ‘bem a tempo’, ou ‘na hora’), possibilitando a alocação de acontecimentos reais ao dia-a-dia da trama. Têm-se a impressão de que a novela está acontecendo ali, no Rio de Janeiro, que aquele assassinato no escritório do Doutor Fulano pelo pérfido assassino aconteceu enquanto o trabalhador estava fazendo o pesponto no sapato na fábrica, ou enquanto a dona de casa lavava a louça da tarde. A identificação vai acontecendo, a intimidade com os fatos se dá até pelo tempo de cada um. Reconhece-se o personagem enquanto ser impresso até no tempo do expectador. A vida e o tempo se copiam na novela.

Tal característica, a de ser feita just-in-time, também subordina o autor aos interesses do público. Os autores de novelas, em sua maioria, escrevem já num determinado padrão inclusive para a aceitação de seus trabalhos pelas grandes produtoras e emissoras de televisão. Sair muito do estilo da emissora pode acarretar a não aceitação da novela. Então, escrever quase ao mesmo tempo em que se filma gera uma pequena margem de manobra, porém, nada excepcional. O público, manifestando o desinteresse por um ou outro personagem, mostra que ele não está bem encaixado, que não está agradando. O autor tem tempo de tirá-lo, ou corrigi-lo. Então a margem é realmente pequena, o público também está acostumado com um determinado padrão de personagens, abrir demais para tipos “estranhos” ao estereótipo é andar sobre aquela tênue linha citada, e nem sempre compensa correr tal risco.

Olhando as novelas e o público por esse ângulo, vemos uma simbiose interessante. Ao mesmo tempo em que as novelas se produzem num estilo pouco alterado e alterável, o público as aceita nesse padrão e repudia as que não estão nele, forçando dessa forma que o padrão se repita na produção. A idéia é conservar. Que se mudem os espaços, os atores, os estilos dos personagens, mas que não mude muito. É sabido por todos que a inclusão de temas e personagens “diferentes” dos habituais também é característica dessa nova fase da produção de novelas. Personagens gays aparecem hoje, com mais freqüência, e têm mais aceitação que a dez anos atrás. Mas porque, se um dia tal personagem foi colocado na novela, não o foi de forma brusca. O personagem foi sendo lentamente aceito. A sociedade aceitou-o lentamente e hoje ele pode (e muitos dizem ‘devem’) aparecer na novela.

Se diz ‘a novela é um espelho da sociedade’. Uma vez que temos uma maior abertura para a discussão sexual inclusive no seio familiar (ou pelo menos aparentamos ter), a novela faz por onde para mostrar e reforçar tal discussão. Mas será que a ordem da frase citada no inicio desse parágrafo é aquela mesma? Será que não pode ser “a sociedade é um espelho da novela”? Uma coisa não invalida a outra. Na verdade, as duas se influenciam mutuamente. Mudanças acontecem lentamente em ambos os lados, e a aceitação é lenta da mesma forma. Dessa maneira, uma novela da década de 70, apesar de ter muitos elementos básicos em comum com as do princípio do século XXI já não é assistida pelo mesmo público que a escreveu. Valores mudaram, as pessoas e a sociedade mudou. Mas ainda há permanências, e talvez uma novela da década de 70 seja antes atual do que simplesmente nostálgica. A atualidade está mais na técnica que na temática.
[[[Fim da digressão]]]

É a partir desse momento em que os personagens também são construídos de forma simplista. Personagens complexos não cabem numa novela, que é um momento de descontração das camadas médias e populares. A complexidade é muitas vezes associada à leitura de um livro. Requer atenção. A novela não. No seu pulular de imagens e cenas, e em seu curto período diário de exibição (curto mesmo?), a atenção se dá muito mais no contexto do que nos detalhes. Um personagem não pode ser bom e mau ao mesmo tempo, não pode exibir características complexas, senão seu objetivo se dissipará em meio à desatenção dos espectadores. O embasamento moral do personagem está mais relacionado ao arquétipo do que à possibilidade dele ser um indivíduo real, em meio à relações reais, pressões e tensões reais. Ou o personagem exibe características fixas (ou pelo menos que suas alterações sejam esperadas!) ou então ele vai cair numa complexidade, e na justa falta de interesse daquela maioria que está assistindo à novela justamente para descansar a cabeça da complexidade da vida. Se não fosse por isso, estariam lendo um livro.

O cansaço mental produzido pelo dia-a-dia corrido da população não dá espaço para o exercício da complexidade intelectual. Espera-se o simples. Espera-se que a novela não canse ainda mais a mente do trabalhador. E o maniqueísmo pouco disfarçado nas novelas é justamente uma forma de simplificar o enredo e atrair os olhos cansados de uma população fatigada. Uma gota da história por dia, dezenas de personagem que orbitam em torno dos protagonistas (colocá-los em órbita é colocá-los num segundo plano, o que os condiciona ainda mais à arquétipos específicos). Os bonzinhos se protegem dos mauzinhos. Os maus serão punidos no final, os bons serão premiados. Lógica cristã. Nem sempre a lógica da vida real.

Mas a vida real é muito complexa. Pessoas que parecem ser tão boas são eleitas para cargos representativos e lá se mostram corruptas (representariam então a tendência à corrupção dos que os reelegem? Fica em aberto). Amigos podem nos trair, nossos relacionamentos amorosos desabam com o tempo como castelinhos na areia, o chefe que nos paga é o chefe que nos achaca, a polícia que defende o povo é a mesma que bate na manifestação por melhores salários, o trabalhador é taxado de vagabundo quando se põe a defender seus direitos à força, “estude para crescer na vida” sai das bocas de todos os pais, mas os filhos se questionam do porque dos pais não estudarem para crescer também – e tal resposta é tão complexa que a frase dos pais se passa por mentirosa, enfim. Muitos exemplos da coisa mais óbvia: a vida demanda pensamento complexo. E o pensamento complexo demanda um esforço do raciocínio. Esse esforço cansa, ainda mais quando o que origina tais pensamentos complexos não fazem sentido para o indivíduo: o que é a política? Porque um deputado ganha tanto? O que faz um deputado? Porque temos deputados? De onde vieram, para onde vão? O que aconteceu com meu voto se eu votei no que perdeu? Não valeu? Brancos e nulos dão na mesma?

Fazer sentido. O trabalho que cansa o indivíduo faz sentido pra ele? O sujeito que faz o pesponto sabe que modelo de sapato produziu? Saberá ele manusear os outros instrumentos que geram aquele sapato? Como crescer na empresa? Para que crescer na empresa? Por que ganho tão pouco, se trabalho mais que o gerente? As coisas que demandam complexo, não fazem sentido num pensamento simples.

A lógica capitalista não demanda sentido, não demanda pensamento complexo. Não para os que produzem. Talvez para os que são detentores do capital, talvez para aqueles que detém o produto já feito, não para os que estiveram produzindo. Inclusive é melhor mantê-los num pensamento simples do que fazê-los pensar complexamente. Compreender a relação das coisas pode conduzi-los à revolta.

Por isso a educação no sistema capitalista não preza pela complexidade. As coisas tem que ter fim em si mesmas. A aula sobre o “descobrimento” do Brasil não precisa ter uma ligação com a Revolução Industrial Inglesa. Basta que se explique cada um, como uma curiosidade histórica. Se o exercício do sentido começa, a mente do estudante vai se fortalecendo e passa a buscar a complexidade das coisas. Tornar-se-á um trabalhador problemático – para o capitalismo, claro.

Logo, tal educação prepara os indivíduos para o pensamento simples. Prepara o sujeito para o trabalho simples, para a televisão simples, para os programas simples, para a diversão simples (e simplesmente oferecida a preços módicos). Não prepara para a questão. Não prepara para a subjetividade das coisas. Não prepara para o entendimento da arte com expressão pessoal. Não tem interesse em preparar.

Assistir um filme como ‘2001 – uma odisséia no espaço’ produz uma infinidade de percepções diferentes. Mas a maioria das pessoas assistiria o filme pelo seu parecer estético. Julgaria como um filme mediano, sem muito sentido. O filme é complexo em si mesmo. Demanda pensamento complexo, demanda um conhecimento estabelecido, porém não dogmático: pensamento esse que aguarda o embate para melhor ser pensamento. Não é um filme comercial, é um filme, então, cult – para poucos (por mais infeliz que eu esteja por aceitá-lo como tal).

Com a música popular acontece a mesma coisa. Melodias simples, rimas pobres, identificação com situações idealizadas são praxe na estrutura das músicas que toca nas rádios massivas. A dona de casa que está lavando roupa definitivamente não quer (e não pode, não naquele momento) se por a prestar atenção numa letra metafórica. Ela vai apreender o que sua atenção dilacerada pelo trabalho sendo executado lhe propõe. A letra de Índios, da banda Legião Urbana soa como uma estória, e não como história. E o que esperar de quem tem que trabalhar? Um duplo canal de atenção? Um para o trabalho e outro para a cultura? É pedir demais.

Os grandes produtores de “cultura” (muitas aspas aí) se aproveitam justamente disso. O nicho consumidor dessa “cultura” empobrecida é justamente o maior nicho mercadológico: a população pobre. Aquela que tem que trabalhar o dia inteiro e que chega cansada do trabalho, tão cansada que não consegue, não pode, ou não quer se colocar a trabalhar o pensamento complexo. São as pessoas desse nicho que enquanto estão trabalhando estão cantarolando a música de sucesso da rádio, sem perceber e sem se por a entender a fundo a letra. Aliás, para que entender a letra de uma música que diz

Cavalo manco, agora eu vou te ensinar
A nova dança do estado do Pará
É o Calypso que chegou para ficar
Nesse swing você também vai estar (confirmar)

Não há subjetividade, não há metáfora (a não ser que se queria muito que haja!): é um bloco de palavras que dizem aquilo que parecem dizer. Simples. E nesse e em muitos casos, vazio.

Claro, num momento de descontração, talvez aquela música citada seja oportuna, realmente é para a descontração, e não para a reflexão, que ela existe. O problema é que sua existência tornou-se um imperativo mercadológico. A produção de músicas para a descontração, no estilo citado, é um dos motes da indústria cultural, a indústria que produz cultura de forma estandardizada de modo a lucrar o quanto mais possível no processo produtivo. Observe que, deste ponto de vista, a cultura não é algo construído na vivência de uma civilização, detalhada pelas suas transformações e permanências, mas sim cruelmente acelerada, catalisada na afobação produtiva de gerar e consumir logo. Essa cultura (se é que pode-se atribuir tal qualificação à essa coisa que sai da linha de produção) gera tais músicas (e outros elementos) em escala monumental, de forma (e deforma) a suprir todo o espaço possível de exposição. A televisão, o rádio, o cinema, a literatura (talvez esse ainda seja um baluarte de resistência, mas só talvez) e outros meios de divulgação cultural, facilitam o acesso dessa produção “estandardizada”, simplificada, aos seus suportes, porque uma vez que os nichos que vão absorver tais produtos já estão domesticados a eles, maior será a venda, e o lucro. Lógica pérfida essa: alguns ganham dinheiro domesticando o pensamento de outros. O que não exclui a possibilidade de mesmo os produtores estarem domesticados, afinal, são parte da sociedade. Mas dos que podem usar essa desculpa, tais produtores e intelectuais em geral são os últimos, afinal, são eles que dispõe do método, da técnica, eles que sabem os resultados, eles que manipulam a técnica em busca de tais resultados, eles que usam a psicologia de massas, eles que usam de propaganda constante, maciça, massiva para o convencimento. Nessa lógica, vence o que convence mais rápido.

O pensamento simplista não se fecha unicamente na produção de entretenimento para a descontração, mas transforma inclusive as notícias em entretenimento para a descontração. É o caso dos inúmeros jornais (nesse caso, me refiro aos rádiotelevisivos) que, na sobreposição rápida e contínua de notícias, não abrem espaço para a reflexão. Tudo o que se passou no dia em meia hora. Além de determinarem o que é importante ser ressaltado no dia, também omitem aquilo que eles não consideram tão importante (ou pior: omitem aquilo que consideram sumamente importante, mas não para eles). Um fator que demonstra o caráter desrespeitoso que os radio e telejornais usam e manipulam as notícias é o fato de que as notícias passam por esse crivo de importância. Mas importância para quem? Para a emissora ou para os expectadores? Quem são os expectadores? Mas, quem é o público alvo? Quando se fala na queda da bovespa estamos falando para que grupo social? E quando falamos que um macaco escapou da jaula e deu um baile nos bombeiros antes de ser capturados, é de importância para que grupo? Que grupo vai ocupar parte do seu dia falando da bolsa e que grupo vai ocupar parte do seu dia falando do macaco? Porque o jornal não faz a menor questão de transformar a queda na bolsa em uma notícia importante para todos os grupos sociais? Do lado dos jornais impressos, apesar do discurso demonstrar quem e para quem se escreve a notícia, há uma vantagem para o leitor: tempo para questionar, analisar a notícia. Claro que a vastidão de notícias de um jornal diário não permite uma disposição de tempo muito vasta, ainda mais de quem trabalha o dia todo e não tem tempo para a leitura, mas ainda assim, há uma liberdade maior de elencar as notícias por sua importância (ainda que existam tantas outras menosprezadas ou omitidas).

É dessa forma que o pensamento simplista carrega os resultados positivos para o capitalismo, para a manutenção do status quo. E um dos pontos mais importantes para a transformação dessa situação é no nevrálgico ponto da escola.

Milhões de crianças entram e saem das escolas todos os dias. Questionadas sobre o que aprenderam, muitas poderão sintetizar o que foi dito na sala de aula pelos diversos professores. No entanto, se a pergunta clama associação com aulas anteriores, nota-se uma dificuldade em recordar a importância do que foi dito antes em comparação do que se sabe no agora (e que vai se esquecer ao valorizar o depois). Lembro de uma seqüência de observações que fiz numa escola municipal de Franca, onde, depois de quatro aulas de história da Revolução Russa, com ênfase no conceito de comunismo. Perguntei após tal odisséia para uma aluna o que ela entendia por comunismo, e ela foi incapaz de articular uma síntese do que tinha sido “dado” em aula. Foi “dado”, mas não foi “aceito”. Eu, por exemplo, não guardo papéis de bala, não significam nada para mim. Papel de bala é o conceito de comunismo na cabeça daquela aluna que, por não ver sentido daquilo em sua vida, simplesmente jogou fora. A errada não é ela, definitivamente.

Bater na tecla da significação na educação é repetir o discurso geral dos intelectuais que pensam na educação. O difícil é fazer. Por isso, não vou me alongar em especificar o termo (tão melhor já foi feito por Paulo Freire!), nem vou ficar especulando (mais) o que pode vir a ser isso na prática. Fato é que as escolas repetem os conteúdos das mesmas formas. Uns culpam as diretrizes nacionais da educação, outros, no estado de São Paulo, a famigerada cartilha do Serra. Mas visito escolas alternativas que, apesar de não serem absolutamente gratuitas, mostram as possibilidades de converter os conteúdos em coisas realmente apreensíveis e entendíveis pelos alunos. Também já presenciei aulas na escola pública onde o professor consegue manter a atenção dos alunos simplesmente discutindo o tema com eles. Basta isso? Não sei, minha condição de professor está no berço, mas como me disse um grande professor uma vez, o Genaro, “se nossas condições vão dar certo ou não, não sabemos, mas uma coisa é certa: o jeito tradicional já falhou”.

Do jeito que está, não dá. Ministrar os conteúdos sem interligá-los com a vida prática dos estudantes e com outras aulas e matérias é estagnar no pensamento que a memória é um arquivo onde incluímos documentos acabados, impassíveis. Imagino como deve ser complicado para o professor realizar tal empreendimento. Afinal, o capitalismo não achaca só os alunos, achaca também os professores, obrigados a dar dezenas e dezenas de aulas por semana, sem tempo para projetar suas aulas, sem tempo para tirar dúvidas dos alunos, estreitar relações com a comunidade, com a própria escola, tudo isso para tirar um salário incompatível com a importância da função que exerce (tal como dezenas de outras profissões...). Aliás, a importância da função do professor é maior para o Estado que paga ou para os indivíduos que estão nas salas de aula? A escolha entre se entregar de cabeça ou sobreviver é terrível, mas condiz com os interesses do capitalismo. Se não condissesse, não estaria ainda assim.

Fazer os alunos pensarem complexamente. Tarefa titânica? Talvez... tarefa fácil é papagaiar os conteúdos na frente de uma sala que não está entendendo nada (e muito menos fazendo questão de entender) do que se diz. Não tem para onde: se o professor tem interesse na emancipação dos alunos, ele vai à exaustão – há outra maneira? Já se disse, educar é profissão de fé. Acreditar no potencial do aluno é por outro lado acreditar no próprio potencial. A estrutura escolar também não ajuda, mas, naqueles cinqüenta minutos onde se tem cinqüenta pares de olhos voltados para você perguntando “quem é você”, a única resposta que vai conduzir ao diálogo é outra pergunta: “e vocês, quem são?”. E aqueles cinqüenta minutos podem marcar a lembrança para sempre.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

"Dos Abismos Existentes" - Gabriel Narkevicius

Ao se debruçar sobre a questão educacional e suas co-relações, é possível perceber a existência de lacunas referentes, em grande parte, à relação discussão/atuação, ou teoria/prática. Muitas idéias são debatidas, práticas são idealizadas, reformuladas, reaproveitadas e relacionadas, mas pouco se faz para que estas mesmas idéias e práticas saiam do circulo de debates e tenham uma atuação real durante o processo de ensino e aprendizagem.
Nota-se atualmente, mas não de forma que salte aos olhos, um distanciamento não apenas da relação teoria/pratica, mas também da relação educação/realidade. É forte no ensino escolar, principalmente nas disciplinas de ciências humanas, o distanciamento entre o conteúdo ensinado e sua relação com a realidade social existente próxima aos estudantes ou mesmo com alguma realidade mais distanciada. Os conteúdos surgem como um simples acúmulo de conhecimento ao indivíduo, mas sem este mesmo ter uma formação crítica para utilizá-lo na realidade social a que pertence.
A formação deste grupo surgiu justamente na questão de compreender, através da aprendizagem e do ensino, a existência destas lacunas, bem como estabelecer formas de transformar a teoria em prática, levantando questões sobre o porquê do aprendizado e sua necessidade para o indivíduo e/ou coletivo.
As medidas tomadas pelas instituições educacionais, em sua maioria, atendem apenas superficialmente as debilidades do processo educativo, surgindo como formas paliativas de encobrir um problema cujas raízes se aprofundam cada vez mais, ou seja, “tampando o Sol com a peneira”
Longe de estabelecer formas e padrões de comportamento no processo educativo, a busca neste trabalho é justamente compreender as diferentes situações a que o professor e o estudante são submetidos, seja pelas condições sociais, seja um ao outro, na tentativa de demonstrar que uma aproximação entre teoria e prática é sim possível em suas variadas formas, assim como a aproximação entre o conteúdo e a realidade também pode se efetivar, lançando mão de ferramentas que possibilitem uma maior propagação da necessidade de se mesclar a teoria com a prática, às diversas esferas da sociedade.

"Educação & Democracia" - por Junior Taz

Coloca-se geralmente que, sim, o Brasil vive um período democrático. Décadas e décadas de ditadura culminaram finalmente numa abertura política e a devolução do poder aos civis. O povo brasileiro já pode escolher livremente seus governantes, já pode ter acesso ao passado político de seus elegíveis, tem em mãos inúmeros meios de comunicação, que colocam rapidamente em suas mãos os planos de governo, as propostas, as possibilidades, e inclusive a chance de interferir nos projetos, através de votações virtuais, ou pela pressão popular. O povo já pode.

Porém, há uma dificuldade em definir a potência desse poder. A título de exemplo, um dos muitos problemas que afetam a referida potência: as camadas mais pobres da sociedade brasileira têm uma educação pública de qualidade dubitável. Uma parte significativa ainda não completa o primeiro grau, considerado básico pelo próprio Estado brasileiro. Outra parcela não completa o segundo grau, e é realmente uma minoria, uma parcela ridiculamente pequena que ingressa no terceiro grau. Creio ser dispensável dizer que a maioria esmagadora dessas pessoas que têm de abandonar (ou sequer começar!) os estudos, o fazem para darem início a uma vida de trabalho, para ajudar a família, ou mesmo sustentá-la sozinhos.

A escola, por mais defeitos que ainda carrega em sua estrutura arcaica, ainda é uma das pouquíssimas possibilidades da população pobre conhecer outras culturas e outras formas de pensar que não estritamente o de sua comunidade imediata. Tais possibilidades elevam a imaginação, e dão vazão ao desejo de conhecimento do ser humano. Quanto mais se conhece, mais vontade se tem de conhecer mais. E, se por um lado uma parcela gigantesca da população brasileira está afastada da escola por causa do trabalho, uma outra parcela está presa em tal estrutura arcaica, que não consegue abarcar a responsabilidade que a educação tem de colocar o indivíduo a par de si mesmo e dos outros. Com isso, temos aqueles poucos sujeitos, proporcionalmente falando, que terminam a escola e desejam continuar estudando.

Em sua comunidade imediata, sim, os indivíduos tem a possibilidade de lidar com a política local e trabalhar a micro-sociedade onde vivem. Mas convenhamos que esses que participam e quiçá se emancipam na política local não são todos, sequer muitos em comparação com o montante que não participa. Pelo fato de a maioria da população não conhecer as outras esferas políticas de seu município, estado, país, não participam delas como deveriam, conhecendo suas possibilidades, e suas chances. Muito disso também se dá pela complexidade do sistema jurídico brasileiro e sua vastidão de pesos e medidas.

Uma vez que os indivíduos estão subordinados à leis, ao Estado, à polícia, e todo o aparato político que comanda o país, era de se esperar que aqueles mesmos indivíduos participassem ativamente da manutenção da democracia de seu próprio país. Mas é evidente que isso não acontece. Apesar da Informação estar disponível, o acesso à ela é dificultado, desde a base cultural até a possibilidade econômica, passando pela qualidade educacional e o domínio das tecnologias, dentre outros fatores.

Esses e muitos outros âmbitos estão interligados, é claro. Por isso julgo o problema como estrutural. Seriam necessárias mudanças na estrutura, mas mais necessária do que isso, um mínimo de vontade política dentre aqueles que estão no governo.

Como, legítimos representantes do povo, moldados pelas suas dificuldades e sonhos, não conseguem agir dentro do quadro político? Porque temos sempre a impressão de que entrar para a política é pedir para ser corrompido? Porque, mesmo conhecendo o passado político corrupto de uma série de políticos, o povo os recoloca para mais uma série de falcatruas? Tais respostas, e muitas outras perguntas, estão envoltas em pelo menos uma coisa em comum: precariedade de uma cultura política popular.

Tal cultura política não deveria vir só da escola, mas com certeza deveria ter nessa instituição um baluarte. Mas, a já citada precariedade da educação e do aparato daquela instituição deixam evidentes que, se a escola tem dificuldade de passar o famigerado conteúdo normal, quem dirá utilizar-se de temas transversais e de se colocar como estimuladora do senso crítico?

É nesse sentido que caminham minhas pesquisas, meus estudos, e minhas práticas. Não imagino que vivamos numa democracia, no sentido mais intrínseco do termo. Definitivamente a grande maioria da população brasileira não se utiliza da democracia de forma responsável, nem para si, nem para a sociedade, e não porque simplesmente não quer se utilizar dela, mas porque não foi preparada para usá-la. O governo, a escola, as grandes cadeias de comunicação, a universidade e outras instituições não querem, não podem ou negligenciam (cada qual com suas medidas) o seu poder de ajudar a disseminar uma cultura política. Talvez porque uma cultura política efetivamente democrática clame por indivíduos críticos, emancipados. Péssima receita para a manutenção do status quo.

A educação escolar é uma das mais importantes ferramentas no esforço de formar consciências críticas. Mas também há o envolvimento social do indivíduo, sua família, seus meios. A escola pode e deve se unir à realidade da comunidade, abarcando as famílias e os indivíduos, deve fazer parte do sistema que faz a consciência reconhecer-se enquanto consciência de si, e dos outros.

É também na escola que os temas da vida prática do aluno devem ser colocados. E aquilo que parece não ter relação direta, sempre o tem, e é necessário investigar tal ligação, esse também é papel de todos aqueles que se chamam educadores. A significação tem de ir da explicação do troco da quitanda até a função do presidente que ele colocará no poder; tem de ir do funcionamento de uma bomba nuclear que matou milhares de pessoas até a dinâmica da doença que ameaça epidemia; tem de ir dos preconceitos de gênero até a responsabilidade individual e coletiva de uma guerra mundial.

Enfim. A educação é movimento, é continuidade, é tentativa, construção. Em virtude do fato dos indivíduos alterarem o meio social onde vivem, e vice versa, a educação tem de se adaptar às mudanças, e aprender a trabalhar com elas. Não necessariamente deve simplesmente aceitar as mudanças, mas problematizá-las, mostrá-las desarmadas e possibilitar a reflexão sobre, por aqueles que efetivamente participam e criam as mudanças: os indivíduos.

"Pra Que Ser Professor?" - por André Januário

Meu nome é André Alves Januario, tenho 23 anos e atualmente estou cursando o 3º ano de História da UNESP campus de Franca.
Quando entrei nesta instituição não tinha a idéia do que iria fazer quando se passasse um bom tempo do curso, quando chegasse ao penúltimo ano. Uma coisa que eu tinha em minha mente era a de se tornar um pesquisador, ter uma linha de pesquisa, ganhar dinheiro e, no máximo, vir a dar aulas numa faculdade.
Apesar de vir de uma família de professores (minha mãe é professora da rede Estadual de São Paulo e meu pai é professor de música, além de vários tios e primos que lecionam) não pensava em me tornar professor e nem imaginava quantos eram os problemas da educação, principalmente pública, brasileira.
Entretanto sempre tive uma ânsia de querer mudar as coisas que eu não concordava, em querer ajudar em alguma coisa que fizesse sentido, talvez fazer algum trabalho voluntário ou coisa similar. Foi quando descobri a importância que o professor poderia desempenhar nesse processo.
Devido a uma prática de ensino feita no 1º ano, onde o professor nos pediu para darmos uma aula, descobri quanto é importante e também prazeroso você entrar numa sala de aula e ter a atenção de meninos e meninas, e poder passar experiências e aprendizados para eles, podendo vir a mudar concepções e, também, fazê-los pensar acerca do que se passa na atualidade.
A educação é algo que permite a todas as pessoas, com acesso e também com interesse, ter uma visão maior, abrir os horizontes do conhecimento e lutar contra as imposições sociais.
Hoje estou fazendo um trabalho numa escola pública de Franca onde eu e meu amigo e colega, Gustavo Henrique Godoy Fagundes, desenvolvemos uma aula diferente, apresentando músicas para explicar o contexto histórico, e também desenvolvendo a crítica e a percepção de todos acerca da sociedade que os cerca.
Percebi a importância do ensino e da aprendizagem para a formação de uma pessoa, para a mudança desse estado de ignorância e falta de interesse que o mundo parece nos empreender, para a melhora da pessoa como indivíduo crítico e também como agente desse processo.
Os problemas educacionais são muitos e refletem os problemas sociais por que passam o Brasil e o Mundo. Professores (tenho o exemplo de dentro de casa de minha mãe que passa por problemas de saúde por causa do trabalho) não são valorizados pelo Estado e sempre saem acabados das aulas, por causa da falta de interesse dos alunos e também por não ter apoio algum. Porém isso tudo não tira a vontade de querer ensinar.
Eu sempre estudei em escola particular, sempre fui um pouco alienado quanto às questões sociais do mundo, quanto à situação, sempre dancei conforme a música. Entrar para a faculdade e descobrir que através de uma ação minha posso mudar e fazer com que muita gente mude, é algo que me fez pensar sobre meu futuro e sobre as minhas concepções.
Logicamente que muitas dessas coisas podem parecer utópicas, não irei mudar o mundo através de minha aula. Mas você olhar na cara de um aluno e perceber que aquilo tudo que você está falando, pelo menos, está fazendo-o pensar um pouco sobre a situação que ele está passando, é algo que proporciona uma vontade de querer estar na sala de aula.

"Acerca do Adolescente" - por Fernando Galhardo

As obras de Jean Piaget têm como objetivo abrir caminho para um maior entendimento do humano, através de estudos psicológicos mais específicos sobre as crianças, facilitando assim a ampliação e aperfeiçoamento de métodos de natureza pedagógica.

Seus estudos à respeito da psicologia infantil são marcados pela influência do campo da Genética, tendo uma preocupação maior com o desenvolvimento da inteligência e o desenvolvimento da afetividade, além da forma que os mesmos interagem sobre a criança.

Meu interesse sobre sua obra recai no capítulo referente a adolescência, o qual Piaget expõe claramente suas idéias, não tomando como marco desse estágio do Homem a maturação do instinto sexual como fator mais relevante.

É interessante notar que para Piaget, apesar do adolescente ser tomado de vários desequilíbrios momentâneos, o que será chamado de “colorido afetivo”, ele tende ao equilíbrio como parte de seu desenvolvimento. Os desequilíbrios momentâneos para os adolescentes, são devidos a expansão das suas capacidades afetivas que só serão controlados a partir do desenvolvimento de seus pensamentos, da sua inteligência.

Como exposto anteriormente, a teoria de Piaget se baseia em duas características: o desenvolvimento da inteligência (que para os adolescentes se relaciona ao domínio do pensamento hipotético-dedutivo), e o desenvolvimento de sua parte afetiva (que se relaciona ao “Eu” e a “Personalidade”, sendo para Piaget bem distintas, apesar de se relecionarem).

O domínio do pensamento hipotético-dedutivo, que segundo Piaget, desenvolve-se na criança por parte dos 11-12 anos de idade se relaciona ao fato da criança passar a construir pensamentos sobre hipóteses, sobre o abstrato e não mais apenas ao concreto, ao real. É passível de observação que os adolescentes se interessam muito mais pelo irreal, eles passam a construir mundos próprios e se colocam como mestres dos mesmos, escapando da realidade.

O Pensamento Hipotético-Dedutivo se relaciona à construção do abstrato sobre o abstrato e não do abstrato sobre o concreto, que será chamado de Pensamento Concreto. Segundo Jean Piaget: Quando o pensamento da criança se afasta do real, é simplesmente porque ela substitui os objetos ausentes pela representação mais ou menos viva, esta se acompanhando de crença e equivalendo ao real.

E mais, o próprio Piaget difere o Pensamento Concreto, ligado ao real, do Pensamento Formal/Hipotético-Dedutivo: O pensamento concreto é a representação de uma ação possível e o formal é a representação de uma representação de ações possíveis.

Para Piaget só o domínio do campo do pensamento formal/hipotético-dedutivo permite ao adolescente a possibilidade de formular teorias e sistemas, isso possibilita ao mesmo criar mundos próprios, irreais, e pensar à respeito de reformas, modificações sobre os reais. Esta é uma das grandes novidades da adolescência com relação a infância, a capacidade da “Reflexão Livre” permitida através do desenvolvimento do pensamento formal.

Outro fruto dessa “Reflexão Livre” é o egocentrismo do adolescente, de acordo com Piaget a onipotência produzida por essa nova forma de pensamento altera a percepção do jovem ao redor de si. Assim, vê-se justificável os desequilibríos momentâneos já que ele não detém controle total sobre essa nova capacidade.

Para Jean Piaget o controle, o domínio sobre essa nova capacidade só ocorre à medidada que: O equilíbrio é atingido quando a reflexão compreendeque sua função não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência. Este equilíbrio, então, ultrapassa amplamente a do pensamento concreto, pois além do mundo real, engloba as construções indefinidas da dedução racional e da vida interior.

Agora, o desenvolvimento da afetividade se dá através da formação de uma personalidade própria e da inserção do adolescente na sociedade adulta. Para isso Piaget analisa separadamente o “Eu”, que segundo ele se trata do “centro de atividade própria”, sendo caracaterizado por marcas como o egocentrismo, o inconsciente ou o consciente, da “Personalidade” que é caracaterizada pela autosubmissão do eu a uma disciplina qualquer.

Por “Personalidade” entende-se o fator que permite ao adolescente agir de modo cooperado (em oposição ao “eu” que o restringe), a “Personalidade” insere o adolescente no meio social, ela autosubmete o “eu” do adolescente a um conjunto de regras qualquer, a uma causa qualquer, nesse sentido é possível dizer que há personalidade quando existe um Lebensplan, um plano de vida, uma causa pela qual acreditar. É por isso que a adolescência é um período de discussão segundo Piaget, é um estágio que permite aos homens exporem suas idéias e discuti-las a respeito do mundo em que vivem, e de outros.

Entretanto, ao mesmo tempo que a “Personalidade” sociabiliza o adolescente, colocando-o frente a fatores sociais o “Eu” a restringe, pois a “Personalidade” encontra-se em formação. A criança segundo Piaget se sente inferior ao adulto, vendo-o como mestre. Já o adolescente graças a nova capacidade de pensamento, detendo a “Reflexão Livre” acaba por se colocar no mesmo patamar do adulto, porém a falta de controle sobre essa nova forma de pensar o agita, fazendo-o sentir como inovador, reformador, renovador. Daí o egocentrismo da adolescência.

Para Piaget a criança se insere pouco a pouco na sociedade adulta à medida que percebe as inperfeições dos mesmos transferindo o perfeito para o sobrenatural, no caso dos adolescentes os mesmos se inserem na sociedade adulta quando elaboram e desenvolvem suas teorias e sistemas no que concerne a mudanças políticas e sociais. Segundo Piaget: A verdadeira adaptação à sociedade vai-se fazer automaticamente, quando o adolescente de reformador transformar-se em realizador.

Para Entender Melhor!

Seis Estudos de Psicologia, JEAN PIAGET. Ed: Forense-Universitária, Rio de janeiro.

"Reflexão sobre a aula tradicional" - Gustavo Fagundes

- Reflexão sobre a aula tradicional

Meu nome é Gustavo Fagundes, juntamente com o André Januário, desenvolvo um projeto denominado “Música: Uma ferramenta para o estudo da História”. Através desse projeto lecionamos algumas vezes na rede pública de Franca. Entretanto, algumas coisas vêm me surpreendendo, como a aceitação das salas selecionadas para o projeto. Estas foram escolhidas devido ao perfil diferenciado que apresentavam, uma era considerada uma ótima sala, e a outra era uma sala com certa dificuldade.

Ao iniciarmos o projeto fomos surpreendidos, pois foi nossa primeira experiência em sala de aula, e começamos já pela sala denominada difícil pela professora parceira do projeto, ao chegarmos na sala percebemos que era uma sala bastante ativa, com muita conversa, mas que ao ser direcionada participou bastante e nos auxiliou na construção da aula. Foi extremamente participativa, discutiu, colocou discussões, questionaram todo o tema da aula, que no caso era Populismo, ficamos muito satisfeito com essa aula, pois vimos que o projeto possuía eficácia, pois conseguíamos tirar a aula daquela mesmice e inovar, tentando atrair a atenção dos alunos. Após essa experiência, achamos que seria ainda melhor na sala considerada ótima, mas ao chegarmos lá tivemos uma experiência um pouco estranha,pois os alunos não respondiam aos estímulos, aos questionamentos que colocávamos, ficaram todos quietos, copiando o que passávamos na lousa e algumas coisas que dizíamos. Em suma, apesar da tentativa de utilizar a música para modificar a estrutura da aula, não conseguimos trazer a sala para participar. Foi desse fato que comecei a pensar, seria um problema dos professores a manutenção da aula tradicional? Seria um problema dos alunos?

Em suma, comecei a discutir com alguns amigos, que também se interessam por essa área de educação, eu questionava será que os alunos, em geral, realmente estão preparados para receber uma aula fora do modelo tradicional, aquele em que o professor fala, o aluno anota e o conhecimento é uma mera reprodução? Após essa conversa, cheguei a várias conclusões, nenhuma completamente satisfatória. Comecei a pensar, a sala que a professora disse que teríamos mais problemas, foi a que melhor respondeu, era algo que devíamos esperar, pois eram considerados alunos difíceis exatamente por serem questionadores, por desafiarem a hierarquia da escola, eles tinha uma necessidade de libertar-se do tradicional, algo normal para adolescentes. Mas, ao pensar nisso, comecei a questionar, porque a outra sala, que possuía alunos da mesma idade, tinha dado uma resposta tão diferente, eu sei que nenhuma classe é igual a outra, mas porque um comportamento tão diferente, sendo que estão na mesma fase da vida, a adolescência. Eles não conversavam nem entre eles, nem conosco, simplesmente anotavam as informações passivamente. Com isso um novo questionamento surgiu, porque aquela sala respondia tão passivamente a todos os estímulos, e ao pensar sobre isso cheguei a conclusão que era exatamente por esse comportamento que eram considerados uma boa sala, pois o professor não tinha problema nenhum em transmitir o conhecimento, pois não havia questionamento, não havia sequer discussão sobre o aprendizado. Mas seria isso uma característica boa? Não, pois isso somente reflete aquela idéia de escola cerceadora de liberdades, aquela que transforma a criança em um indivíduo funcional, simplesmente a transforma em um trabalhador padrão, sem capacidade de reflexão sobre os próprios atos. Aquele perfil da sala mostrava garotos e garotas que constantemente foram cerceados, não eram estimulados a autonomia, pois a escola não quer formar pessoas autônomas, ela quer formar cidadãos funcionais, somente isso.

Mas porque não conseguimos mudar isso, será que o professor não pode fazer essa mudança ou será que ele é impedido pela própria estrutura da escola? Sem dúvida que a estrutura da escola está ultrapassada, é necessário uma mudança, para que esse engessamento do professor e, consequentemente, dos alunos acabe e assim possibilitar a formação de cidadãos, que questionem, que discutam e que buscam melhorar tudo, tanto em sim próprio como no mundo que os envolve.